sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Será possível nossa memória ser mais fraca que a deles ?
Como nos podemos esquecer do que fizeram por nós?
Não os ignorem, não os tratem como crianças, não os tratem como velhos. Continuam a ser pessoas, seres humanos, até ao fim, só que já passaram muito e naturalmente envelheceram, não nos irá acontecer o mesmo? Não queremos todos lá chegar ? Qual o tratamento que vamos querer então ? Baseados nessa resposta é o mesmo que lhes temos de dar agora, pensem bem nisso.

""As flores murcham, mas como posso esquecer as suas cores e o seu odor ?
E até as folhas depois de secas, enfeitam a vida e lêem os livros....
Tudo posso com o mesmo Amor do principio ao fim.
Cuidar das flores mesmo depois do cheiro..
Cuidar dos outros como cuido de mim ""

""CARTA A UM AVÔ""

Sou pequenino, tropeço nas palavras, não as digo ainda como deve de ser e tu também já não ouves como ouvias. Mas podes ler Avô, se lês o jornal e histórias para eu adormecer, também vais conseguir ler a minha carta. Gosto muito de ti Avô, gosto dos teus cabelos brancos, dos vincos da tua cara, que te dão um ar muito engraçado quando sorris. Também já te vi chorar sabes ? E não gostei Avô, acho que ficas mais velho quando choras e eu triste por te ver assim, e mais triste ainda por não perceber o porquê. Ás vezes ponho-me a pensar se não terei abusado nas minhas traquinices. Se for por isso avô, prometo estar mais sossegado quando estiver ao pé de ti. Tens sempre algo para me dar quando nos encontramos e quando me dás um rebuçado, piscas-me o olho, eu sei porquê, a minha mãe já te avisou que eu não devo abusar nas guloseimas, mas é um segredo só nosso, como tantos outros que temos. Eu percebo que regras são regras, mas percebo ainda melhor, que rebuçados são sempre rebuçados. Gosto muito de estar contigo, contas-me sempre histórias tão engraçadas. Seriam para me fazer dormir mas eu fico mais desperto ainda, não perco uma palavra delas, e sabes que, quando adormeço, sonho com elas? Gosto do beijo que me dás, quando pensas que já estou a dormir, e quando sais do quarto, sorrio por te ter enganado e te ter feito sair em bicos dos pés. Gosto da maneira como andas Avô. É engraçado ver-te a refilar com as tuas pernas, como se não te pertencessem, chamas-lhe de velhas. Eu não acho Avô, são umas pernas como todas as outras, só que, já andaram muito não é? Fico triste, quando o meu pai fala num tom mais alto para ti, eu acho que não tens culpa. Todos nós nos esquecemos de qualquer coisa, são muitas as que temos de lembrar durante o dia. Ainda ontem fechei a porta da varanda e esqueci o gato lá fora, levei um raspanete da minha mãe e chorei, mas foi mais por pena do gato. Porque será que os adultos estão sempre a correr de um lado para o outro, e a refilarem por tudo e por nada? Chegam depois à noite, cansados e só têm força para nos desejarem um até amanhã. Pouco falas não é Avô? Será porque pouco falam contigo? Eu gosto de falar contigo, e só não falo mais porque me obrigam a ir para a cama cedo. Sabes que lá na escola, a professora perguntou quais os nossos heróis favoritos? Uns disseram que era o Super-homem, outros, o homem Aranha, e até houve um que respondeu que era o homem da Pastelaria, pois cada vez que lá ia com a mãe, ele dava-lhe um bolo. E sabes qual foi o meu Avô.? Foste tu e eles riram-se, disseram-me que já não tinhas idade para andar por aí com uma capa, a salvar pessoas. Eles nada sabem, não têm um Avô como o meu, senão logo veriam. Pronto avô, a minha mãe já me espreitou da porta, a próxima visita é para me apagar a luz, e não há nãos nem senãos, impossível lutar contra ela. Amanhã entrego-te a carta, se gostares, vou-te escrever uma todos os dias. Se não gostares, por favor não te zangues comigo, não quero perder o meu melhor amigo..(e os melhores rebuçados da região). Adoro-te Avô, até amanhã, um xi-coração grande do teu neto.

Se conseguíssemos manter uma terça parte da inocência que nos torna tão maravilhosos em pequenos, o que não poderíamos fazer por quem regressou um pouco a essa idade e está tão perto de partir. Somos culpados se pelo menos não reflectirmos um pouco sobre isso, e depois, agirmos por dever e direito...

António Portela



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